segunda-feira, 12 de maio de 2008

VESTES


VESTES


Rasgo as vestes que me cobriram por tanto tempo, descubro a menina e redescubro seus sonhos.

Aproximou-se mansamente, colocando as mãos sobre minha cabeça embalando meu choro, abandonos e perdas. De olhos rasos d’água, mal podia divisar a figura, antes tão distante e agora veste e deslumbra. Doce sabor deste toque que acorda. Desliza sobre a pele o arrepio de cada sensor, espetados em agulhas prontos a sentir. Tomo o ar profundo até encostar-se ao umbigo, acalmo o coração pulsando desordenadamente em alegria.

Retorno em torpor a cada imagem projetadas como filme na face e percebo as que são e que não são mais. Despeço com ternura os ganhos e desenganos, partículas sagradas do momento, selados aqui.

Ouço o cantar de sabiá nos risos e choros de meus netos, que ensinam a voltar à roda e dançar e cantar. Rodo a saia cor de rosa com laços e fitas desenhados, na meia branca, sapatinho de verniz. Solto o riso gargalhado nas letras das cantigas que ouvi de ti.

Tudo se faz e se reconstrói neste caminho. Miro com olhos da distância longínqua onde se unem os ventos e toco a face com ternura sentindo o pulsar de fitas em belo dançar, rodar e rodar. Solto os cabelos, levanto os pés em ponta, abro os braços e giro, abraço a natureza que acolhe tonta e acalanta.

Tempo e espaço se unem em rito sagrado.

-Menina, cuida onde pisas!

Ela, com seu olhar pleno de conseqüência, olha e diz:

- Sempre soube de mim. Agora já sabes disso. Vem! Vamos brincar.

De pés descalços encho as unhas com terra, deito sobre a pedra quente com teto de via látea.

6 comentários:

zuleica-poesia disse...

Lindo texto. Também sonho em voltar à ciranda, mas o corpo pesa mais que o sonho. Mas... ainda às vezes... Me vejo menina feliz entre meus netos. Porém é mais futebol do que ciranda. Boa realidade para você!

Maria disse...

Zuleica, a minha alma esta em ciranda. E a menina que vive em mim retorna e gira, nas palavras que brotam de meus dedos.A gargalhada nasce da incensatez de parar no tempo.
Tudo transmuta a vida.
A alma intacta plasma no silêncio.
E ilumina o olhar.
Nada como um bom jogo...

Anne M. Moor disse...

É bom te ver assim, tomando conta da tua vida. Quando perdemos o fio é tão difícil enrolar o carretel de novo...
Good to see you back! Como estava a Bolívia?

Jorge Lemos disse...

Poema vivo de uma vida despida,
reaviver dos botões na roseira;
desabrochar consciente da falta que fez...
Penso: Se ciranda é a roda da existência, cada momento uma cor nova: Caleidoscópio.
Bom ter você assim, despindo-se para vestir uma nova e necessária roupagem para nos inspirar viver.
Beijos e saudade
Jorge

Jorge Lemos disse...

"Ciranda, cirandinha,
estamos todos a cirandar".

Maria disse...

Jorge e Anne,
A cada encontro suspende no ar os pés de balairina, impulso de alma expandida. Inspira e expira em notas cadenciadas na mística pura do instante pulsar. Ciranda, cirandinha...