Rasgo as vestes que me cobriram por tanto tempo, descubro a menina e redescubro seus sonhos.
Aproximou-se mansamente, colocando as mãos sobre minha cabeça embalando meu choro, abandonos e perdas. De olhos rasos d’água, mal podia divisar a figura, antes tão distante e agora veste e deslumbra. Doce sabor deste toque que acorda. Desliza sobre a pele o arrepio de cada sensor, espetados em agulhas prontos a sentir. Tomo o ar profundo até encostar-se ao umbigo, acalmo o coração pulsando desordenadamente em alegria.
Retorno em torpor a cada imagem projetadas como filme na face e percebo as que são e que não são mais. Despeço com ternura os ganhos e desenganos, partículas sagradas do momento, selados aqui.
Ouço o cantar de sabiá nos risos e choros de meus netos, que ensinam a voltar à roda e dançar e cantar. Rodo a saia cor de rosa com laços e fitas desenhados, na meia branca, sapatinho de verniz. Solto o riso gargalhado nas letras das cantigas que ouvi de ti.
Tudo se faz e se reconstrói neste caminho. Miro com olhos da distância longínqua onde se unem os ventos e toco a face com ternura sentindo o pulsar de fitas em belo dançar, rodar e rodar. Solto os cabelos, levanto os pés em ponta, abro os braços e giro, abraço a natureza que acolhe tonta e acalanta.
Tempo e espaço se unem em rito sagrado.
-Menina, cuida onde pisas!
Ela, com seu olhar pleno de conseqüência, olha e diz:
- Sempre soube de mim. Agora já sabes disso. Vem! Vamos brincar.
De pés descalços encho as unhas com terra, deito sobre a pedra quente com teto de via látea.
6 comentários:
Lindo texto. Também sonho em voltar à ciranda, mas o corpo pesa mais que o sonho. Mas... ainda às vezes... Me vejo menina feliz entre meus netos. Porém é mais futebol do que ciranda. Boa realidade para você!
Zuleica, a minha alma esta em ciranda. E a menina que vive em mim retorna e gira, nas palavras que brotam de meus dedos.A gargalhada nasce da incensatez de parar no tempo.
Tudo transmuta a vida.
A alma intacta plasma no silêncio.
E ilumina o olhar.
Nada como um bom jogo...
É bom te ver assim, tomando conta da tua vida. Quando perdemos o fio é tão difícil enrolar o carretel de novo...
Good to see you back! Como estava a Bolívia?
Poema vivo de uma vida despida,
reaviver dos botões na roseira;
desabrochar consciente da falta que fez...
Penso: Se ciranda é a roda da existência, cada momento uma cor nova: Caleidoscópio.
Bom ter você assim, despindo-se para vestir uma nova e necessária roupagem para nos inspirar viver.
Beijos e saudade
Jorge
"Ciranda, cirandinha,
estamos todos a cirandar".
Jorge e Anne,
A cada encontro suspende no ar os pés de balairina, impulso de alma expandida. Inspira e expira em notas cadenciadas na mística pura do instante pulsar. Ciranda, cirandinha...
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